A Chamada Pública “ReIntegrar com equidade de raça e gênero para egressos do sistema carcerário” surgiu com o objetivo de mapear, catalogar e valorizar projetos e estudos que objetivem vida digna para pessoas que cumpriram pena no sistema carcerário por meio do trabalho, a partir da perspectiva de equidade racial e de gênero.
Realizada pelo CEERT, a iniciativa recebeu 470 inscrições das cinco regiões do Brasil. Foram selecionados três projetos (R$ 30 mil para cada) e cinco estudos (R$ 10 mil para cada), totalizando o investimento de R$140.0000,00 (cento e quarenta mil reais).
Conversamos com os oito selecionados a respeito de seus estudos e projetos. Publicaremos um depoimento por semana nesta série especial. Confira o primeiro relato, de Chrisdeicy Dinoral da Costa Menezes, de Aracaju (SE), graduanda em Direito e autora do estudo A importância do acompanhamento psicológico aos internos, familiares, egressos do sistema prisional e população LGBTQIA+:
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Chrisdeicy Dinoral da Costa Menezes: “A ideia do projeto, na verdade, é apenas uma descrição de um trabalho que venho realizando dentro dos movimentos sociais dos quais faço parte, como Movimento Negro Unificado, Frente Pelo Desencarceramento em Sergipe e Comitê de Combate à Tortura, onde sou conselheira.
Não menos importante, a minha iniciativa veio também de minhas vivências durante e pós-cárcere, como mulher afro-indígena, egressa e lésbica. Ser uma mulher que se encaixa nesses quesitos, vamos dizer, não é fácil aqui no mundo externo. Imagina dentro do cárcere.
Muito pouco se fala sobre a população carcerária LGBTQIA+. Se pessoas cisgênero já são marginalizadas por estarem privadas de liberdade, a comunidade "colorida" é duplamente desumanizada. E quando encontramos a possibilidade de falar e receber, mesmo que raramente, apoio nessa luta, passa a certeza e uma dose de esperança de que não estamos sós. Precisamos falar sobre corpos LGBTQIA+ pretos encarcerados/as urgentemente. E um edital como esse nos dá voz.
Não é possível falar de encarceramento em massa sem tocar na interseccionalidade de raça e gênero, pois está tudo violentamente ligado.
O estado de Sergipe ocupa uma das primeiras posições no ranking de encarceramento, de acordo com o estudo Raio-x das Prisões Brasileiras. Cerca de 80% da população carcerária sergipana é preta ou parda. Quando levada em consideração a questão de classe, predominam as C e D.
Na leitura e aprofundamento das pesquisas censitárias do IBGE, a mulher negra é a mais afetada com a desigualdade social. Essa condição acarreta em problemas como desemprego, analfabetismo, dentre outros. Tais problemas afetam mulheres, mas quando se fala de raça, vemos o quão violento é para mulheres pretas e pardas.
Com o Prêmio, comprarei equipamentos para dar continuidade ao estudo, promovendo debates e campanhas e destacando a importância do acompanhamento psicológico a internos, familiares e egressos.
Usarei também parte do Prêmio na compra de materiais para atividades ocupacionais para as internas e para o coletivo de mulheres egressas do qual faço parte, para que tenham uma renda extra.
Ter assistido e vivenciado essa situação na pele despertou em mim o interesse em ajudar outras pessoas a passarem por essa situação de forma menos desumana.
Quando estive encarcerada, não havia movimentos sociais atuando nessa pauta, a exemplo da Frente Estadual pelo Desencarceramento. Hoje já existe e realizamos um trabalho pioneiro aqui em Sergipe.
O que faço ainda é pouco, mas um pouco que faz toda diferença. Percebo isso em cada olhar, cada sorriso, cada agradecimento e em cada roda de conversa expondo a necessidade de sermos ouvidos.
Meu sonho é que os egressos tenham direito à ressocialização. Não essa que o Estado oferece - morte, exclusão ou retorno para aquele lugar -, mas a condição de se levantar, erguer a cabeça trabalhando, estudando e reconstruindo sua vida. Sem oportunidade não há reinserção à sociedade.
Ao saírem daquele lugar, muitas vezes não há acolhimento até mesmo por parte da família. Então a prostituição e o tráfico acabam sendo opções de caminho, por sobrevivência. Meu desejo é mais dignidade.”
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Fonte: CEERT
Categoria: Direitos Humanos