Eles que são brancos que se entendam?

Autor: Cida Bento Data da postagem: 09:17 01/09/2022 Visualizacões: 988
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Cida Bento, conselheira do CEERT

Presidenciáveis debateram na TV como se a maioria da população não fosse negra

No debate dos presidenciáveis no último domingo, na Band, foi flagrante a ausência das questões raciais. O que denota que candidatos e candidatas ainda não entenderam que as desigualdades sociais no Brasil são estruturadas pelo racismo.

Essa omissão não tem a ver exclusivamente com a ausência dos dois únicos postulantes negros na corrida presidencial deste 2022, que, por não registrarem pontuação suficiente nas pesquisas de opinião, ficaram fora do debate. A sociedade brasileira ainda não conseguiu construir um caminho em que pudéssemos ter nestas eleições uma presidenta ou vice-presidenta negra, a exemplo de Francia Márquez, na Colômbia.

O alheamento dos presidenciáveis ao tema das desigualdades raciais tampouco se deve pela falta de jornalistas negros, o que não deixa de ser lamentável de qualquer maneira, haja vista a pluralidade de profissionais que poderiam agregar outras perspectivas ao debate, não somente questões sobre as desigualdades raciais como também sobre economia, saúde, educação e outros temas.

A falta da temática racial nesse debate pode ser entendida como resultado da apartação das elites políticas e econômicas do Brasil real. Ao longo de praticamente toda a nossa história, os negros, maioria da população brasileira, são alijados da participação política e das decisões que impactam suas vidas. No limiar dos 200 anos da Independência do Brasil, é oportuno lembrar que essa tem sido a maneira de se fazer política no Brasil.

No debate do domingo, o diálogo com as candidaturas tematizou a fome que assola o país, o desemprego, a segurança e problemas nas áreas de saúde e educação como se essas questões afetassem toda a população de maneira similar. Mas sabemos que são as pessoas negras, e particularmente as mulheres negras, as mais afetadas pela ausência de políticas públicas e descaso do Estado.

Ao vermos que no debate dos presidenciáveis os candidatos são todos brancos, os jornalistas são todos brancos e o assunto de política de Estado para combater a desigualdade racial não surge é como se isso tudo não tivesse nenhuma relação conosco, a maioria da população brasileira que é negra.

É inconcebível que, após décadas de luta do movimento negro, tenhamos que acompanhar com perplexidade a ausência dessas questões no primeiro debate eleitoral em canal aberto de televisão, um dos principais instrumentos para que a população decida os rumos do país nos próximos anos.

Embora seja necessário reconhecer e valorizar importantes melhorias com políticas públicas voltadas para a população negra nos governos progressistas, precisamos avançar ainda mais.

Nas vésperas de 7 de setembro, data marcada pelo grito de "Independência ou Morte" atribuído a D. Pedro 1º (tendo ele acontecido ou não), é fundamental reconhecer a cisão entre parcela da elite brasileira e seu povo. Há 200 anos, a independência de que falava a elite que governava o país significava uma emancipação social que guardava os privilégios da branquitude e, ao mesmo tempo, previa a manutenção da propriedade "escrava", a não ingerência do Estado nas relações privadas e no livre comércio, que representava o tráfico negreiro. Ou seja, a independência que a elite desejava não contemplava a maioria da população que era negra.

Essa cisão entre uma parcela da elite que até na pandemia consegue ampliar a concentração de renda para um pequeno grupo e a ampliação da fome e da pobreza para a grande maioria precisa ser alterada, e as eleições podem deflagrar esse processo. E tratar desigualdades não apenas com políticas para pobres, mas principalmente com programas consistentes que enfrentem o racismo, sob pena de continuar havendo a lógica e o grito de "independência" para alguns e o grito "morte" para a maioria da população.

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