No mês de fevereiro daquele longínquo ano de 1990, um grupo de sonhadores resolvia criar uma despretensiosa e modesta organização negra: o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), cuja missão principal deveria ser colaborar com o esforço de organização do povo negro e com as lutas por igualdade, justiça e democracia.
Há exatas duas décadas temos conjugado produção de conhecimento e intervenção no campo da promoção da igualdade, com ênfase nas de natureza racial e de gênero. Mas a ação do CEERT não teria sido possível não fosse o crescimento vigoroso da luta do Movimento Negro, da consciência social sobre o racismo e da progressiva adoção de políticas públicas e programas corporativos de promoção da igualdade racial e de valorização da diversidade étnico-racial.
A rigor, não apenas a noção de política pública, mas a própria noção de direitos humanos foi fortemente marcada pela atuação do ativismo negro nestas duas décadas. Vale lembrar que até o processo de redemocratização, cujo marco jurídico foi a Constituição de 1988, a noção de direitos humanos esteve vinculada essencialmente à luta contra a tortura, abusos cometidos por agentes policiais ou, antes, à luta contra a censura, pela anistia dos exilados políticos, por eleições livres e diretas etc.
Com a retomada da luta contra o racismo e a reorganização das entidades negras, a temática da discriminação e a reivindicação por igualdade passaram a ocupar cada vez mais lugar no debate público, influenciando a pesquisa acadêmica, o discurso da sociedade civil (incluindo o sindicalismo) e pautando gradativamente a agenda das casas legislativas e os pronunciamentos de autoridades públicas. Como ilustra a criação, a partir de 1992, de Comissões de Combate ao Racismo no âmbito dos sindicatos e das centrais sindicais.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entidade de vanguarda na luta pelos direitos humanos, passou a instituir, no âmbito dos Estados, comissões direcionadas especificamente para a temática da discriminação racial, num reconhecimento de que a plataforma “tradicional” dos direitos humanos afigurava-se insuficiente para dar resposta às bandeiras defendidas pelo Movimento Negro.
Do mesmo modo, a Câmara Federal e as casas legislativas estaduais passaram a incluir o tema “minorias” em suas comissões de direitos humanos. Leis federais, estaduais e municipais passaram a ser aprovadas. Em São Paulo e outros Estados, dentre eles Sergipe, Rio de Janeiro e Distrito Federal, criaram-se “Delegacias Especializadas em Crimes Raciais e Delitos de Intolerância”, e cresceu significativamente o número de ações judiciais referentes à questão da discriminação.
No plano internacional, relatórios publicados anualmente pelo Congresso dos Estados Unidos, pela Human Rights Watch e pela Anistia Internacional começaram a incluir dados e análises sobre desigualdades raciais, discriminação e preconceito.
Atualmente, é remota a possibilidade de um interlocutor, em qualquer área pública ou da sociedade civil, referir-se publicamente ao tema dos direitos humanos sem ao menos tangenciar a matéria da discriminação e do preconceito. Do mesmo modo que a agenda dos direitos humanos, a agenda das políticas públicas não mais se encontra imune à crítica e à contribuição do Movimento Negro. Sem olvidarmos da crescente preocupação, no campo empresarial, com a adoção de programas corporativos de valorização e inclusão da diversidade étnico-racial.
Estes são, em síntese, os marcos que orientaram os programas, pesquisas e ações do CEERT nestes vinte anos, cuja visão mesmo panorâmica realça a modesta, mas aguerrida contribuição que temos dado para o profundo processo de transformação pelo qual vem passando nossa sociedade no que se refere à promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento para todos os brasileiros na educação, no trabalho, no acesso à Justiça ou em qualquer outro quadrante das relações humanas.
Mais do que respostas, fórmulas ou receitas, nossa atuação pretende oferecer reflexões e subsídios que fortaleçam a ação coletiva em defesa da igualdade e da cidadania, ideais que nos animaram a criar o CEERT, ressalvado que à época sequer poderíamos imaginar o tamanho do respeito, do prestígio e do reconhecimento que nossa modesta organização desfrutaria ao completar 20 anos.
Ao completarmos vinte anos reverenciamos aqueles que vieram antes de nós e agradecemos a todas as pessoas e instituições que acreditaram em nosso potencial e reconheceram nosso esforço. Agradecemos ainda de modo muito especial nossa equipe de funcionários e consultores que não mede esforços para que sejamos uma organização de referência na concepção, formulação e execução de políticas e programas de promoção da igualdade étnico-racial.
Equipe CEERT