Reintegrar: A importância de gostar de si

Autor: Bruna Ribeiro Data da postagem: 13:37 23/05/2022 Visualizacões: 534
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Flavia Ribeiro de Castro e Verônica Bolina | Imagem: CEERT

A Chamada Pública “ReIntegrar com equidade de raça e gênero para egressos do sistema carcerário” surgiu com o objetivo de mapear, catalogar e valorizar projetos e estudos que objetivem vida digna para pessoas que cumpriram pena no sistema carcerário por meio do trabalho, a partir da perspectiva de equidade racial e de gênero. 

Realizada pelo CEERT, a iniciativa recebeu  470 inscrições das cinco regiões do Brasil. Foram selecionados três projetos (R$ 30 mil para cada) e cinco estudos (R$ 10 mil para cada), totalizando o investimento de R$140.0000,00 (cento e quarenta mil reais). 

Conversamos com os oito selecionados a respeito de seus estudos e projetos. Publicaremos um depoimento por semana nesta série especial. Confira o terceiro relato, de Verônica Bolina, estudante do 1º ano da Faculdade de Letras; e de Flávia Ribeiro de Castro, graduada em Administração de Empresas com pós-graduação em Educação e Psicologia, de São Paulo (SP), autoras do estudo A importância de gostar de si: sou bonita por fora e transbordo talentos:

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Verônica Bolina: “O artigo é meu e de Flávia Ribeiro de Castro, fundadora da organização não governamental Casa Flores, que apoia mulheres que viveram a experiência do cárcere, da qual faço parte. 

“A importância de gostar de si” surgiu da ideia de que a minha história de muita força interior precisava ser compartilhada. Escrevemos o artigo porque acreditamos que somos nós que transformamos a própria vida, e que esta vida transformada tem o poder de transformar outras vidas. 

Apesar da minha trajetória ser uma exceção no sistema carcerário, o processo que utilizamos na ONG, de construção de um projeto de vida a partir do resgate da própria história, tem dado muitos resultados. Em poucos meses resgatei meu sonho de ser professora, fui encaminhada e acompanhada pela ONG para um processo de seleção para conseguir bolsa e ingressei na faculdade.

Nesse processo, eu falo e relembro a minha história desde criança, entendendo os pontos que me levaram à vulnerabilidade e os que me permitiram começar a sair dela; reconheço minhas forças e meus talentos que são meus instrumentos de superação. 

Ao reviver a minha história, dou novos significados aos momentos marcantes vividos, com o olhar mais maduro que tenho hoje. É como se eu aprendesse com a minha própria vida. 

Esse novo conhecimento que eu adquiro provoca transformação e precisa ser compartilhado, coisa que fizemos no artigo. Ele é importante para mim, para nossas lutas, para as mulheres que se encontram em situação parecida e para a sociedade como um todo.

Sendo uma mulher negra e transexual, sinto na pele todos os dias como essas duas questões me distanciam das oportunidades de crescer na vida, fecham portas para o trabalho, para relacionamentos e até para ser considerada como um ser humano. Então, mais uma vez, digo que o importante nesses casos é que o nosso querer seja maior do que os preconceitos.

O ReIntegrar já ajudou no meu trabalho, valorizando a minha história de vida e me trazendo força, reconhecendo o trabalho diferenciado que a gente faz na Casa Flores, e nos premiando também financeiramente. 

O ReIntegrar vai ajudar na minha formação universitária e permitir que eu tenha uma profissão mais digna. Vou levar a lembrança desse momento pro resto da minha vida.

O valor recebido será totalmente investido no meu sonho de ser professora. A premiação vai ser utilizada para que eu possa fazer minha faculdade com mais tranquilidade, podendo dedicar mais tempo aos estudos e menos à prostituição.

A importância da Chamada Pública é enorme, porque o encarceramento em massa está destruindo a nossa sociedade, sem que a própria sociedade perceba.  E a iniciativa permitiu que eu contasse minha história de luta e de superação de grandes dores, que se tornaram chave para grandes mudanças. Acho que isso pode também servir de esperança e motivação para outras pessoas.

Tenho dois sonhos. Um deles é de que as mulheres trans/travestis recebam uma atenção especial na (re)integração, pois nós vivemos com uma camada extra de vulnerabilidade. O outro é que todos tenham uma vontade grande de mudar, porque existem oportunidades de transformação oferecidas por ONGs. E quando a nossa vontade é maior que os desafios, a gente se agarra nesses apoios e chega aonde a gente quiser.

Flavia Ribeiro de Castro: “Sou fundadora da ONG Casa Flores, que apoia mulheres que viveram a experiência do cárcere. Há vários anos nos dedicamos a entender o processo de construção das várias camadas de vulnerabilidade que acabam levando as mulheres ao cárcere. Conhecer esse processo é primordial para que possamos atuar sobre ele, tanto a nível individual, quanto a nível coletivo. 

Sempre me emocionei com tudo o que diz respeito a mulheres, crianças abandonadas, pessoas vulneráveis e esquecidas. Por conta disso, em 2005 passei um ano fazendo um trabalho humanitário dentro de uma cadeia feminina. Ver meninas de 19, 20 anos presas por falta de estrutura, estudo e maturidade machucou meu coração. 

Em 2011, publiquei o livro Flores do Cárcere, que relata histórias destas mulheres e a minha experiência com elas, levando também um pouco de conhecimento sobre quem são e como sofrem as mulheres encarceradas no Brasil.

Em 2017, resolvi intensificar minha ação através da produção de um documentário e da fundação de uma ONG, a Casa Flores, que pudesse produzir estudos, conteúdo, fomentar ações ativistas e promover o desenvolvimento pessoal e profissional de mulheres egressas e suas famílias. 

Todos esses meus movimentos se entrelaçam com o desejo de promover um lugar mais justo, amoroso e igualitário para aquelas que são responsáveis pela formação dos seres humanos, aquelas que arriscam suas vidas para trazerem outras vidas e que fazem isso praticamente sozinhas com gigantes dificuldades para penetrar e se manter no mercado de trabalho: as mulheres da base da pirâmide socioeconômica do nosso injusto Brasil.

Quanto mais vulnerabilidades as pessoas vivenciam, mais elas estão propensas à exclusão do mercado de trabalho e da sociedade. Dessa forma, cada um desses temas é uma camada que se soma de maneira sobreposta a outros, como: classe, estudo, bairro de moradia, questões de saúde, alimentação, sexualidade, falta de amor e cuidado nas fases cruciais de desenvolvimento como a primeira infância e adolescência, e por aí vai.

O objetivo dos estudos que fazemos é identificar quando, como e porque as vulnerabilidades se construíram e o que é possível fazer para desconstruí-las, levando em conta um contexto onde preconceitos importantes estruturam a nossa sociedade a ponto de nosso país não possuir políticas de (res)socialização, ao contrário, possuir medidas impeditivas da mesma.

Essa descoberta que nos guia em cada caso acontece por meio de um processo de memória, resgate de sonhos e ressignificação da história pessoal. Uma vez o processo terminado, com os pontos críticos e as forças identificadas, essas informações servem de base para a construção de plano de futuro da mulher detentora da história estudada.

É um estudo analítico, mas também inspiracional, tanto para outras mulheres, quanto para outras ONGs que trabalhem com o tema; e por isso o estudo precisa ser compartilhado.

A importância do ReIntegrar é gigantesca, uma vez que é muito difícil encontrar espaços para divulgar trabalhos e captar recursos a favor de temas que se relacionam com o encarceramento. Uma porta aberta por uma instituição séria e reconhecida é um selo de qualidade e também uma oportunidade de maior impacto para o que fazemos.”

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