A Chamada Pública “ReIntegrar com equidade de raça e gênero para egressos do sistema carcerário” surgiu com o objetivo de mapear, catalogar e valorizar projetos e estudos que objetivem vida digna para pessoas que cumpriram pena no sistema carcerário por meio do trabalho, a partir da perspectiva de equidade racial e de gênero.
Realizada pelo CEERT, a iniciativa recebeu 470 inscrições das cinco regiões do Brasil. Foram selecionados três projetos (R$ 30 mil para cada) e cinco estudos (R$ 10 mil para cada), totalizando o investimento de R$140.0000,00 (cento e quarenta mil reais).
Conversamos com os oito selecionados a respeito de seus estudos e projetos. Publicaremos um depoimento por semana nesta série especial. Confira o quinto relato, de Luan Gomide de Sousa Cândido, de Belo Horizonte (MG), estudante de Comunicação Social - Jornalismo e autor do estudo Catu Abolicionista: coletânea de textos e pesquisas em resposta às mutilações nos presídios:
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Depoimento de Luan Gomide de Sousa Cândido:
“O meu estudo começou em 2010, quando iniciei uma comunicação com o Supremo Tribunal Federal, à época com o Ministro Ricardo Lewandowski, pedindo a minha liberdade provisória para um tratamento de saúde e a continuidade da minha graduação de Jornalismo.
Não fui atendido, mas enviado a um manicômio prisional, junto com pessoas que cometem crimes hediondos por instabilidades psicossociais. Após pagar por toda a sentença, provei ser inocente da denúncia de tráfico de drogas e fui absolvido. Ao sair da prisão, encontrei tratamentos substitutivos para meu uso abusivo de drogas e estudei a luta antimanicomial.
Quando voltei às prisões, por tráfico de drogas, o que estudei na rede de atenção psicossocial me deu base para intuir o abolicionismo penal, do cárcere, sem estudar referências acadêmicas.
Nesta mesma época, eu conheci uma rede de pessoas que pensavam também em abolir o sistema penal, como a presidenta da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, a Dona Tereza; também pessoas da Pastoral Carcerária, que me encheram de esperança e deixaram meu coração bem quentinho, no cantinho gelado da cela, que dividia com 30 camaradas.
Ao sair da prisão, em 2020, 15 anos depois de trancar a matrícula, voltei a estudar Comunicação e atuar no abolicionismo. Aqui da minha casa, tenho as cartas que eu enviei durante anos e agora produzo publicações atualizadas, cobertura e monitoramento de denúncias e garantias de direitos.
Comecei a pesquisar a inconstitucionalidade do sistema penal em seus vários aspectos de violações aos direitos fundamentais: saúde, educação, trabalho, salubridade, moradia, integridade física e mental, alimentação, afeto e cidadania.
Nesses temas transversais ressaltei conceitos de seletividade penal, comunicação abolicionista e punitivista, fiz denúncias do trabalho análogo ao escravo no sistema prisional, ainda em análise do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais e, também, no município de Campinas (SP). Um trabalho abrangente, mas que tem um ponto em comum: o fim das prisões e da letalidade policial.
Desde criança tenho interesse por temas de direitos humanos e racismo. É minha pauta, desde quando me percebo indivíduo preto e marginalizado. Mas o tema específico é de meu interesse desde quando comecei a ficar preso.
A pesquisa faz parte do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Pretendo investir em equipamento profissional para produção audiovisual, como notebook para edição, captadores de áudio portáteis para entrevistas, lente de longo alcance e baterias para minha câmera. Me preparo para produzir uma comunicação abolicionista de qualidade e também trabalhos relacionados à biodiversidade.
A Chamada Pública é muito importante, pois atinge um público extremamente discriminado. São pessoas que sofrem violências legitimadas pelo Estado, com bilhões de investimentos em encarceramento até a letalidade.
São urgentes as cotas e editais para privilegiar a defesa e mobilidade social dessas pessoas em conflito com a lei, vítimas de violências de agentes públicos de segurança do executivo, do judiciário, do legislativo e, também, das concessões públicas às mídias de massa no Brasil.
Meu sonho é a extinção das prisões e da letalidade policial. O meu corpo é político. As prisões são uma atualização das senzalas. As prisões e investimentos letais são violências racistas, classistas, misóginas, lgbtfóbicas e para pessoas não brancas. São políticas que atendem ao propósito de permanência da população submissa às elites, pela exploração ao trabalho e acúmulo de capital, pelo discurso de ódio e medo do castigo que sofre o corpo marginal.
As cadeias e o projeto de segurança pública brasileiro são uma sofisticação do projeto de eugenização da população do Brasil Colônia, com muitas mais vítimas e letalidade e objetos de terror. A expectativa de vida do corpo marginal é a mesma do escravo do Brasil colônia.”
Confira os depoimentos já publicados
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Fonte: CEERT
Categoria: Direitos Humanos