País europeu adotou diversas medidas para mitigar desigualdades na última década
Neste início de 2022, ainda sob os pesados efeitos da pandemia, diversas instituições importantes vêm debatendo formas de enfrentar o agravamento das desigualdades no mundo do trabalho, que se expressa, dentre outros indicadores, nas taxas de desemprego ou subemprego e na ampliação da informalidade para segmentos sociais mais vulneráveis a violações de direitos, como a população feminina, jovem e negra do país.
Iniciativas pontuais mas crescentes de organizações públicas, privadas e da sociedade civil vêm acontecendo em programas de equidade e diversidade, que, no entanto, não dão conta de tamanho desafio.
De fato, como a economista e professora da Unicamp Marilane Teixeira e o pesquisador Rogério Barbosa, da USP, chamaram a atenção, já em 2020, os principais impactos da pandemia incidem sobre o trabalho de mulheres e negros.
Mulheres embarcar em ônibus no Terminal Bandeira, em São Paulo - Eduardo Knapp-14.jan.2021/Folhapress
Segundo eles, o impacto mais intenso ocorre para as mulheres por serem maioria no trabalho doméstico (o Brasil sofreu a maior perda de trabalhadores domésticos em nove anos) e por serem minoria em boa parte dos serviços essenciais. Não podemos esquecer que mulheres negras representam o maior contingente de trabalhadoras domésticas do país.
No caso da população negra, o impacto mais intenso se dá por ter maior participação na informalidade, que abriga as primeiras posições de trabalho a serem atingidas na crise. Em ambos os casos, aos efeitos da crise sanitária acrescentam-se os efeitos crônicos de uma situação histórica de discriminação no trabalho.
Nesse sentido, é alvissareiro o acordo tripartite celebrado no ano passado na Espanha entre governo, entidades sindicais e empresariais, pois a equidade para jovens e mulheres foi colocada no centro desse acordo, e a iniciativa pode servir de inspiração para o enfrentamento das desigualdades raciais e de gênero no Brasil.
Como sinaliza o sociólogo Clemente Ganz em artigo recentemente publicado no site Poder 360, a Espanha adotou nas últimas décadas diversas reformas trabalhistas que impactaram de forma dramática as desigualdades, atingindo mais duramente jovens e mulheres.
No caso brasileiro, acrescentaria que o diálogo deveria ser quadripartite para incluir os movimentos sociais que são força motriz fundamental no campo da luta pela equidade.
A pauta da concertação espanhola é extensa, tratando de trabalho remoto e teletrabalho, da igualdade salarial entre mulheres e homens, de medidas para assegurar os direitos trabalhistas no campo das plataformas digitais de aumento do salário mínimo e de políticas para a criação de emprego, entre outras tantas iniciativas fundamentais.
Clemente chama a nossa atenção para o quão relevante é essa concertação, pois focaliza um ambicioso projeto de desenvolvimento socioambiental, econômico, político e cultural que objetiva recuperar o significado do trabalho decente e a partilha de seus resultados pela sociedade. Revitaliza e confere sentido à democracia, já que o diálogo entre as diferentes partes envolvidas é a base para os compromissos que vão sendo assumidos.
Esses debates entre diferentes segmentos sociais são fundamentais para trazer uma outra maneira de negociar e estruturar as reformas necessárias e urgentes que a sociedade brasileira precisa realizar.
No reconhecimento da pluralidade de grupos que compõem a sociedade com suas necessidades, interesses e posicionamentos diversos é que se pode criar bases sólidas e seguras para que os acordos que precisamos realizar, em particular no mundo do trabalho, sejam marcados pela justiça e pela equidade.
E quem sabe em 2022 nós possamos avançar na construção de políticas públicas e privadas que incorporem as ações afirmativas com centralidade em todos os planos de trabalho, para acelerar a verdadeira democratização da sociedade brasileira, com vistas à universalização do direito ao trabalho digno, sem deixar mais de metade da população brasileira de fora de novos modelos de desenvolvimento.
Fonte: Folha de S. Paulo
Categoria: Política no mundo